quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Lutero, reformador na Igreja, inovador na Sociedade

26.10.2017

Antonio Carlos Ribeiro*


Para entendermos Martinho Lutero, precisamos situá-lo no seu tempo, no espaço geográfico e na situação sociopolítica, que compõem o pano de fundo da Alemanha do século XVI. Isso é especialmente significativo para os avanços que ele propôs para a sociedade de seu tempo e não apenas para a Igreja. É o que vamos tratar neste primeiro artigo.

O mesmo século XVI, em que o movimento da Reforma eclode no coração da Europa é um tempo marcado por outras mudanças como o Renascimento, iniciado no século XIV, os novos métodos financeiros, a partilha do poder do Imperador e dos príncipes, e a influência conquistada por Lutero, possibilitando avanços nos territórios alemães. Neste período, sem que Lutero nunca tivesse tirado os pés da Saxônia de Frederico, o sábio, sua influência ia muito além da Alemanha.


               
                A casa onde residiu o reformador Martinho Lutero e sua família
(Foto: https://sobreturismo.es/2010/01/07/la-casa-de-lutero-simbolo-de-la-reforma/)

Da Igreja na qual se movia, atuando na recém-criada Universidade de Wittenberg, ele impressionava os alunos, os colegas de cátedra, os príncipes - que gostavam da sua companhia - e os teólogos de outras universidades, que o desafiavam para as disputatio (debates públicos). Essa influência acabaria chegando também às escolas de seu tempo, cuja estruturação estava a cargo da Igreja que, após a Reforma, se dividiu em Igrejas territoriais (landeskirche), sob a orientação espiritual do bispo territorial (landesbischof), no território governado pelo príncipe.

Como já acontecia desde o Concílio de Vaison (529 d.C.), as igrejas locais abriam suas portas não apenas aos futuros clérigos, mas também às demais crianças, incluindo a gratuidade do ensino e a colação de graus. Algumas dessas eram chamadas de escolas catedrais ou episcopais, incumbidas de formar novos pregadores a partir do século V. Depois vieram as escolas monacais – monastérios – ou claustrais, ligadas aos conventos, que se tornaram importantes entre os séculos V e XI. Nesta época, ressurgiram as escolas catedrais ou episcopais, agora ligadas às catedrais das cidades, uma das marcas do renascimento urbano.


Prédio preservado do Leucorea (Liceu) da Lutherstadt Wittenberg (Wittenberg Cidade
de Lutero) (Foto: http://www.goruma.de/Staedte/W/Wittenberg/geschichte.html)


À época de Lutero (séc. XVI) foram criadas as Leucorea, os Liceus - colégios secundários para formação na área de humanidades, e o da Lutherstadt Wittenberg (Wittenberg, cidade de Lutero) – que existe até nossos dias e hoje está integrado no complexo da atual Martin-Luther-Universität Halle-Wittenberg – e à época oferecia cursos aos jovens, com estudo preparatório para ingressar nas universidades. É dessa mesma época, por influência da Lutero e seu amigo Filipe Melanchthon, filósofo, pedagogo e músico, que atuou como um Ministro da Educação, que o reformador recebeu as principais orientações e propostas, pedagógicas e legais, que ajudaram os príncipes a orfanizar suas cortes e a formar seus cortesãos.

O prédio do Liceu fundado pelo reformador no século XVI - e a praça da Universidade (Universitätsplatz) Martin-Luther-Halle-Wittenberg no século XXI (Foto: 
http://www.halle.de/en/Culture-Tourism/Points-of-Interest/Places-to-linger-and-06060/)

Com o avanço dos movimentos da Renascença e da Reforma, da influência de Lutero e das proposições claras e atuais de Melanchthon, foram feitas a reforma no ensino secundário e na universidade, e criadas escolas de ensino elementar, a partir das quais o ensino passou a ser visto como um serviço público, incorporado às propostas de Lutero, por influência de Melanchthon. A outra consequência é que essas ideias se fundem às ideias teológicas expostas nos seus escritos, ao atacar os problemas da Igreja e da sociedade, que ganham expressão na carta Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs, escrita em 1524, e a Prédica para que se mandem os filhos à escola, proferida em 1530.

As ideias de Lutero sobre Educação expostas nestes textos, são desdobramentos da Doutrina dos Dois Reinos, mostrando como seria importante para a Igreja, ‘a mão direita de Deus’, assim como para o Estado, ‘a mão esquerda de Deus’, que os pais estivessem compromissados com elas, a fim de que houvesse cidadãos bem educados para atuarem nos governos secular (o Estado) e espiritual (a Igreja). 

* Jornalista, teólogo e professor - Doutor em Teologia, Pós-Doutor em Letras (PUC-Rio) e Pós-Doutorando em Letras (UFT-CAPES)

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