terça-feira, 29 de novembro de 2016

Pedro Tierra: Poesia - arma para sobreviver

29.11.2016

Antonio Carlos Ribeiro

"Fui poeta como uma arma para sobreviver". Assim se expressou Pedro Tierra, o tocantinense de Porto Nacional, Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e pela Pontifícia Universidade Católica de Brasília (PUC-DF), que 'poetou' ontem no Auditório Remigio Corazza, da Faculdade Católica Dom Orione, em Araguaína.


Tierra, amigo de outro Pedro, o Casaldáliga, bispo da Prelazia do Araguaia, guardião das memórias dos pobres, camponeses e índios - pouco afeito a trajes litúrgicos tradicionais como báculo, cetro, mitra e incensário, e parceiro na autoria da Missa dos Quilombos - com a mesma paixão pela poesia, falando de democracia, liberdade e se encantando com o silêncio rumoroso dos esquecidos.

Pedro Tierra não se esforça para fazer poesia, da qual transita com tal simplicidade e leveza para a prosa, como quem cumprimenta os amigos e defende as causas humanas e lutas pela vida, às quais se entrega sem pudores.

Não se diz que ele faz poesia, mas que ele vive nesse universo, assim como um monge cultiva a Μνήμη (memória) que o faz contemplar o mistério. Sua poesia não empresta beleza aos fatos, mas os espelha com tal clareza que, como o mistério, não oculta, mas revela, e dessa forma ela nos sacode entre o sentimento e a reflexão. Ele diz que memória e invenção integram um oficina transparente que expõe vivências e engendra encantamentos, com o deliberado exercício de transgredir.

Diz que a poesia se despe para se cobrir de silêncio, para existir, para seduzir a muitos, aqueles que escreveram versos na água e se afogaram, que foram picados por ela e passaram a vida 'envenenados' pela beleza, filha da alegria e do prazer, ao mesmo tempo que fascinada pela alegria e a tragédia, se vestia de ventos, que os sopros extirpavam para as cinzas.

Foi preso político antes de terminar os estudos.  Lutou contra a ditadura militar de 1964. Cumpriu cinco anos de cárcere, de onde foi resgatado para a poesia. Assim, ele aprendeu, e agora ensina, que 'primeiro é preciso cantar a vida, para explicá-la em seguida', sem esquecer que nesta vida não é difícil morrer.


Poesia, diz ele, é o escândalo da palavra, é uma moléstia do espírito, é uma desorganização do idioma para produzir luz. E esconjura a ordem que não cria, que é estéril e faz voto de submissão ao tédio. Poesia não aceita ser recontada, não aceita bajulação, nem favor. Aceita apenas possibilidades.

Falar de poesia e revolução exige falar do poder. Esse que é o exercício da palavra, que lhe esgota o sentido, que as matam por dentro, e seguem repetindo o cadáver das palavras.

Poesia se justifica frente à revolução pela mudança, na medula do idioma, que mesmo sendo o mesmo duas vezes nunca é igual, para lembrar Heráclito.

Atuou no Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), militando em nossas maiores causas sociais.

É com essa história que ele denuncia que a poesia urbanizou-se, como o país, ao custo de desprender-se da vida sertaneja. Que ela não vestiu o macacão das fábricas, não desceu ao ritmo frenético das máquinas ou cuspiu em sua escuridão.

E estimulou os jovens: quem não lê, não escreve! Precisamos da leitura de todas as formas de linguagem que nos cercam. Ninguém cria sobre o nada! É preciso memória e invenção! Contra seu ventre, nascemos. E não sejamos expulsos do tempo que nos coube viver. Mas guardemos esse sublime veneno da esperança!

Quem precisa da prosa para relatar, por vezes não consegue acompanhar o poeta. Por isso esse texto ficou comprometido com os encantos da poesia. E Pedro Tierra vive na poesia, como os monges na Μνήμη. Não precisa chamar a poesia, porque esta lhe vem sempre ao encontro!

P.S.: Desculpem se o relato jornalístico não conseguiu resistir à poesia.

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