terça-feira, 31 de outubro de 2017

Lutero e a gestão da educação pública de qualidade

31.10.2017


Antonio Carlos Ribeiro*

O sistema educacional alemão é devedor em grande parte à Reforma Protestante do Século XVI, circunstância em que Lutero deixa o centro da cena e cede espaço aos educadores. Neste caso o espaço que seria ocupado por ele é assumido por seu amigo e companheiro Filipe Melanchthon, também teólogo, músico e pedagogo, possivelmente mais culto que Lutero, mas não ordenado, a quem a tradição luterana deve a redação da Confessio Augustana (Confissão de Augsburg). O principal documento doutrinal dos luteranos foi escrito por um leigo.

Educação não era o campo intelectual em que Lutero se movia. Sequer teve a preocupação em desenvolver uma teoria da educação em perspectiva cristã, mas o que seguramente quis foi motivar a sociedade a empenhar-se por uma educação formal de qualidade, baseado na compreensão de que Deus atua no mundo através dos dois governos.

Como na teologia, na Igreja e na relação de influência entre os príncipes, em que Lutero tinha Melanchthon como pessoa de sua íntima confiança, na educação essa situação se invertia. Nesta Lutero falava em nome do evangelho para sustentar empreendimentos humanos que na Baixa Saxônia ficaram a cargo de Melanchthon. A Leucorea (liceu), a universidade e as escolas de ensino fundamental sofrem a grande influência e política (liderança na polis) do seu amigo pedagogo, responsável pela introdução de estudos dos clássicos gregos e latinos na universidade, rompendo com a perspectiva da escolástica, que submetia tudo ao crivo do poder eclesial.



                                                     



Martinho Lutero e Filipe Melanchton

(Foto: Lucas Cranach the Elder, 1543)






Sob a iniciativa e liderança de Melanchton, o Conselho da cidade de Nürnberg fundou o Ginásio de Egídio, além das três escolas de latim já existentes na cidade. Como as escolas não constituem exclusivamente de prédios, mas contam com professores que instrumentalizam esses equipamentos, assim tarefas organizativas e de conteúdos culturais próprias das escolas secundárias foram também confiadas a este pedagogo, que acentuava as convergências entre humanismo e luteranismo.

Lutero prescreve as normas fundamentais para organização das escolas, no entanto é Melanchthon, seu ‘ministro da educação’ quem escreveu manuais escolares, organizou o sistema escola de Saxe, redigiu juntamente com Lutero as ‘Diretivas aos Inspetores Escolares’ e o livro ‘Visita das Escolas’, reorganizou as universidades de Marburg, Königsberg, Iena, Helsmtadt, Dorpat, Leipzig e Heidelberg, e dava orientação e assistência aos mestre luteranos da Germânia.

Outro colaborador de Lutero foi Johannes Bugenhagen, o pastor da Stadtkirche (Igreja da Cidade), conhecido como ‘Doctor Pomeranus’, que foi responsável pela inspiração de uma série de ordenamentos municipais no norte da Alemanha. Esse conjunto de Estatutos religiosos de diferentes cidades recomendam e ordenam o surgimento de escolas públicas. Bugenhagen, que atuou como pastor luterano a partir de 1520, se torna o mais ardoroso defensor da Reforma da Igreja e, por sua atuação na educação se tornou conhecido como ‘Pai da Escola Primária Pública da Alemanha’.

As preocupações da época acompanham questões como: ‘o que deve ser ensinado às crianças e aos jovens?’, ‘de que forma esse ensino deve ser ministrado?’, ‘como a escola deve ser financiada?’, ‘quem e como devem ser os mestres?’ e ‘onde e em que período as crianças devem estudar?’

As outras questões são de natureza filosófica e teológica. Ao apresentar uma nova proposta para o currículo escolar, lidando com as críticas de que este se baseava nas obras de Aristóteles, que Lutero julgava inapropriado por ser a mesma proposta em que se estruturava o sistema de conventos e mosteiros, em moldes medievais, já sofrendo os efeitos do Renascimento e da própria Reforma, mas ‘blindado’ por estruturas e orientação eclesial, que retardavam ou mesmo impediam o desabrochar de uma nova era.

Outra ênfase significativa era o aprendizado de línguas, que para o reformador, provoca mudanças: ‘onde, porém, há conhecimento de línguas, aí as coisas se desenvolvem com frescor e vigor, e a Escritura é trabalhada; aí a fé se encontra sempre de forma nova por meio de outras e mais outras palavras e obras”, disse Lutero. Assim, o ensino de línguas clássicas se tornou uma consequência dos ideais do movimento humanista, com a propagação do Renascimento na Alemanha.

O grande avanço se dá quando, após longo período na Idade Média a educação se baseava nos conteúdos do trivium e do quadrivium, ensinando as sete artes liberais, e sofre essa mudança na Alemanha, de acordo com a concepção humanista, baseada na educação e nos studia humanitatis (estudo de humanidades) abrangendo disciplinas como Gramática, Retórica, Poética, História e Filosofia Moral, sendo complementado com matemática, astronomia, ciências, música, dança e outras artes. Assim, a contribuição luterana à cultura europeia, segue os ventos de mudança de seu tempo.

* Jornalista, teólogo e professor - Doutor em Teologia, Pós-Doutor em Letras (PUC-Rio) e Pós-Doutorando em Letras (UFT-CAPES)

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